O conflito criacionista e evolucionista no Brasil
Autores: Rogério F. de Souza, Silvia Ponzoni, Cássia Thaís B. V. Zaia e Dimas A. M. Zaia
Fonte: Scientific American Brasil – Ano 11, edição nº 126
Editor: Alex Rodrigues*
O avanço obtido pelo conhecimento científico é capaz de modificar as concepções de origem e evolução da vida na sociedade? A resposta a essa pergunta parece estar longe da que os homens de ciência gostariam. Um exemplo de que pouca coisa mudou em pleno século 21 é o duelo entre criacionistas e evolucionistas. Geralmente, a rejeição ao evolucionismo está relacionada a facções fundamentalistas existentes em diferentes religiões. Nas últimas décadas, em alguns países, grupos criacionistas vêm modificando suas estratégias a fim de conquistar novos adeptos ou simplesmente burlar questões legais relacionadas ao ensino do criacionismo em sala de aula. Isso aconteceu por exemplo nos Estados Unidos, no início da década de 90, com o aparecimento do intelligent design (ID).
Uma pesquisa realizada em 34 países e publicada em agosto de 2006 pela revista Sciencemostra que, na Islândia, Dinamarca, Suécia e França, mais de 80% dos adultos aceitam como verdadeira a Teoria da Evolução (TE), percentual que fica em 78% no Japão. Em contrapartida, em países como Estados Unidos, Turquia, Bulgária, Grécia Romênia, Áustria, Polônia e Suíça, cerca de 40% a 60% da população acredita que a TE é falsa ou não tem certeza sobre sua validade.
No Brasil a situação não é muito diferente. Uma pesquisa encomendada ao Ibope mostrou que 33% dos brasileiros creem que o ser humano foi criado por Deus há cerca de 10 mil anos, enquanto 54% aceitam que os humanos surgiram há milhões de anos, mas por um processo dirigido por Deus.
Entre os entrevistados dessa pesquisa, 89% concordam que o criacionismo deva ser ensinado nas escolas e 75% acham que essa concepção deve substituir o evolucionismo em sala de aula. Embora o modelo evolutivo iniciado por Darwin-Wallace há mais de 150 anos tenha sido ampliado e acumulado uma grande quantidade de informação, os dados mostram que a comunidade científica em algumas regiões do mundo parece ter falhado estrondosamente em passar seu significado para a população em geral.
O primeiro grupo criacionista brasileiro do qual se tem notícia, a Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), foi fundado em Brasília em 1972. Em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1979, surgiu a Associação Brasileira de Pesquisa da Criação e, mais recentemente, em Campinas-SP, o Núcleo Brasileiro de Design Inteligente.
Apesar do movimento criacionista brasileiro não ser tão forte como o americano, não pode ser subestimado. Nos últimos anos, têm sido recolhidas opiniões de estudantes universitários e de professores do ensino fundamental e médio sobre questões ligadas à origem do Universo, à vida e à evolução das espécies. Enter os estudantes, os resultados indicaram que a aceitação e/ou rejeição das teorias pertinentes à origem do Universo e da vida e sobre a evolução biológica estão relacionadas a fatores como grau de instrução dos pais, renda familiar e/ou a orientação religiosa.
Observamos também que, ao menos em parte, a aceitação dessas teorias científicas depende da compreensão que os estudantes têm da metodologia científica. E que ela não é completamente compreendida por uma parte significativa deles. Por outro lado, dados preliminares obtidos junto a professores de ciências e biologia do ensino fundamental e médio indicam que 66% deles concordam que o criacionismo também deva ser abordado em sala de aula como uma teoria alternativa ao darwinismo.
Esses resultados sugerem que, apesar de todo o avanço na divulgação da ciência, estudantes universitários e professores parecem não compreender o que diferencia uma teoria científica de uma concepção religiosa.
Pesquisa realizada por Tidon e Lewontin (2004) com professores do ensino médio da região de Brasília revela que 60% deles admitiram ter algum tipo de dificuldade em ensinar evolução. Entre os fatores apurados estão a falta de preparação desse professores, carência de material didático ou mesmo a escassez de tempo para a utilização desses materiais. Além disso, 62% deles admitiram que seus alunos eram imaturos ou não tinham suficiente base teórica para compreender a evolução. Esses dados, quando analisados em conjunto, indicam que o nosso sistema educacional é falho quanto à formação científica de nossos profissionais e estudantes, tanto no ensino fundamental e médio, como no universitário.
Ainda assim, em nosso trabalho, observamos que 55% dos 920 estudantes universitários entrevistados admitiram aceitar a evolução e que isso não descarta a crença na existência de Deus, segundo declararam. Além disso, apenas 8,8% dos entrevistados afirmaram que nenhum tipo de evidência os convenceria da evolução biológica. Resultados semelhantes foram obtidos por Bizzo (2012). Ele realizou pesquisa com 2,3 mil estudantes do ensino médio de todo o Brasil, com uma média de idade de 15 anos. Esse estudo revelou que, para mais de 70% dos entrevistados, a religião não os impede de aceitar a evolução biológica. E cerca de 64% concordaram que “as espécies atuais de animais e plantas se originaram de outras espécies do passado”. Esses resultados podem ser uma indicação de que os jovens brasileiros são flexíveis o suficiente para conciliar sua fé com o conhecimento científico.
*Nota do Editor: O artigo original teve pequenos trechos suprimidos, supressões que não comprometem a ideia geral passada pelo texto.
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